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Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo

Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo

12/03/2018 às 15h53 Atualizada em 12/03/2018 às 18h53
Por: Ricardo de Freitas
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Foto: Reprodução
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Crime é toda conduta que afeta um bem jurídico considerado relevante para o legislador – o qual representa a vontade da sociedade – e que, como tal, merece reprimenda com o objetivo primordial de prevenir que outros cidadãos tenham o mesmo comportamento. Nesse sentido, a sonegação fiscal foi tipificada em nosso ordenamento jurídico de maneira a considerar criminosa a conduta de deixar de pagar tributo com o dolo de praticar uma das condutas enumeradas nos incisos do artigo 1º da Lei n. 8.137/90, as quais descrevem atos de fraude à administração tributária.

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Nesse panorama, aquele que decidir praticar um dos atos tipificados será suscetível à persecução penal, podendo receber uma condenação de até cinco anos de pena de prisão. Identificada, pois, a conduta fraudulenta, as estruturas da administração tributária, dos órgãos de persecução e do Poder Judiciário serão utilizadas para fazer valer a decisão da sociedade de recriminar uma conduta danosa ao sustento do Estado Democrático de Direito.

Ocorre que, inspirada pela possibilidade de utilização de mecanismos de consenso no processo penal, nossa legislação abriu a possibilidade de extinguir a punibilidade com relação à conduta de sonegação fiscal quando o tributo suprimido for pago, partindo-se de premissa de que a lesão ao erário teria sido reparada e que não haveria mais motivo para dar continuidade à persecução penal.

A primeira investida nesse sentido sobreveio no bojo da própria Lei n. 8.137/90 (artigo 14) na qual havia a exigência de o pagamento ocorrer até o recebimento da denúncia. Essa possibilidade foi revogada, mas a Lei n. 9.249/95 ressuscitou-a em seu artigo 34, mantendo esse marco temporal. A partir de então, observou-se, com a sucessiva edição de leis de parcelamento e regularização tributária, a introdução da figura da suspensão da pretensão punitiva enquanto o devedor estiver vinculado a programa de parcelamento, mantendo-se a previsão da extinção da punibilidade sob a condição do pagamento integral do débito. Divergiam, entretanto, sobre o momento em que essa condição poderia ou deveria ser aperfeiçoada para atingir o resultado almejado, destacando-se a abertura dada pela Lei n.º 10.684/03, que introduziu o PAES e a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo a qualquer tempo.

Posteriormente, o art. 6º da Lei nº 12.382/2011, que deu nova redação ao art. 83 da Lei no 9.430/1996, dispôs que a suspensão da pretensão punitiva dos crimes tributários pelo parcelamento só ocorrerá se o pedido de parcelamento for formalizado antes do recebimento da denúncia criminal, reafirmando que a permissão para extinção da punibilidade dos crimes tributários estaria limitada por esse marco temporal, nos termos do mencionado art. 34 da Lei nº 9.249/95.

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Entretanto, no julgamento do HC 116.828/SP, de relatoria do Min. Dias Toffoli, o STF firmou o entendimento de que a Lei nº 12.382/11 não afetou o disposto no §2º do art. 9º da Lei nº 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito a qualquer tempo. Esse é marco temporal que prevalece atualmente.

Portanto, o momento em que o tributo é saldado não importa para fins de extinção da punibilidade. O contribuinte pode esperar para calcular os riscos da execução de uma condenação em sede de apelação após anos de processo para avaliar se lhe interessa efetuar o pagamento ou não. Conforme constatou Pricila Bubniak em estudo sobre a análise econômica do direito penal tributário:

Inobstante a extinção da punibilidade internalizar os custos da prática delitiva, reduzindo-os aos montantes já estabelecidos na esfera administrativa, a forma como mencionado instituto tem sido contemplado na política criminal brasileira acaba por estabelecer incentivos para a prática ilícita.” 1

O caput do artigo 1º da Lei n. 8.137/90 (“Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo…”) não deixa dúvidas de que o tributo é elemento normativo do tipo, conquanto persistam as discussões sobre o momento da constituição definitiva do crédito tributário e a possibilidade de deflagrar a persecução penal.2 Mas seria correta a conclusão de que seu pagamento a qualquer tempo eliminaria a possibilidade de punir a conduta?

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Se considerarmos que o único objetivo do legislador ao eleger a sonegação fiscal como conduta típica é arrecadatório, parece coerente extinguir a punibilidade com o pagamento independentemente do momento em que se realiza. Mas se partirmos do pressuposto que apenas condutas efetivamente graves são selecionadas para configurar crimes e que, mais do que dinheiro, o legislador se preocupa em assegurar a existência de uma sociedade em que os cidadãos sejam leais à administração tributária e não pratiquem condutas fraudulentas, a mera reparação do dano não seria suficiente para isso, sobretudo se feita após o início da ação penal, quando o esforço e os recursos do Poder Público são aplicados para a resolução da questão.

Vejamos como outros países encaram o problema.

O instituto da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo já se encontra presente na legislação alemã há mais de um século, como autodenúncia liberadora da pena, que se caracteriza pela regularização voluntária e antes do conhecimento do fato pela autoridade tributária (semelhante à denúncia espontânea no Brasil), bem como restringe sua aplicação para situações de menor gravidade, limitadas a pequenos valores (inferior a 25.000 euros), que não envolvam prática reiterada usando documentos falsificados e evasão por meio de organização criminosa.3

O modelo alemão de regularização voluntária e antes do conhecimento do fato pela autoridade tributária, com restrições a aplicação do instituto para circunstâncias menos graves é acompanhado por diversos países, como África do Sul, Alemanha, Argentina, Áustria, Espanha, Estados Unidos da América, Holanda, Irlanda, Itália, Noruega, Polônia, Suíça. 4

Outros ordenamentos guardam a independência entre a esfera fiscal e a penal, não prevendo a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo.5 Seguindo esse modelo, na legislação penal tributária chilena o fato de o contribuinte infrator pagar o montante do prejuízo causado antes do início do processo criminal não extingue a ação penal. Entretanto, o pagamento configura como uma circunstância atenuante para a responsabilidade penal.6

A pesquisa feita em 38 países constatou que 82% deles preveem: i) a total independência entre o pagamento e o crime fiscal (26%); ii) a extinção do crime pelo pagamento antes do início de qualquer procedimento fiscal ou penal (32%); iii) a aplicação do instituto até a fase de instrução processual penal e apenas em situações menos graves (24%).

Todo o apresentado acima revela a incoerência do tratamento que nossa legislação dá aos crimes tributários e aos efeitos do pagamento do tributo. A experiência internacional indica que a criminalização do não pagamento de tributos não pode servir apenas como instrumento arrecadatório e ter em vista somente objetivos de política fiscal, sob pena de deslegitimar a intervenção penal.

Acompanhando constatação de Priscila Bubniak no trabalho citado acima, o núcleo da intervenção penal deve ser a tutela do bem jurídico (patrimônio público, contribuição para uma sociedade justa e lealdade na relação com a administração tributária) e não apenas a reparação do dano da vítima. A previsão de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo da forma que está posta atualmente em nossa legislação e com a interpretação pelo STF sobre a inexistência de limite temporal para tanto não está em consonância com essa diretiva.

————————

1 Ver Análise econômica do direito penal tributário: uma crítica à política criminal brasileira. Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2017, p. 109.

2 Recentemente o STF afastou a aplicação da Súmula Vinculante n. 24 para casos excepcionais, ex: STF – 1ª T. – ARE 936.953 – relator Min. Roberto Barroso – j. 24.05.2016

3 ALEMANHA. Abgabenordnung – The Fiscal Code of Germany (inglês – Estados Unidos) Section 371. Disponível em: < https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_ao/englisch_ao.pdf >. Acesso em 25 de fev. 2018.

4 CAMPOS. Flávio Vilela. Estudo comparado sobre a extinção da punibilidade e elementos fundamentais dos crimes tributários: paralelo entre a experiência internacional e o modelo adotado no Brasil. 203 f. Monografia (Especialização em Direito Tributário). Fundação Getulio Vargas – Escola de Direito de São Paulo. São Paulo, 2017.

5 Angola, Austrália, Bélgica, Chile, Finlândia, França, Japão, Nova Zelândia, Suécia, Uruguai.

6CHILE. Decreto-Lei 830/74. Código Tributário. Art. 111. Disponível em <https://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=6374>. Acesso em 25 de fev. 2018.

Via Jota.Info
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