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Contabilidade

A Exigência de Balanço Patrimonial para Microempreendedores Individuais em Licitações Públicas

A obrigatoriedade do balanço patrimonial para MEIs em licitações públicas é controversa, com a jurisprudência majoritária dos tribunais de contas tendendo pela exigência, apesar da legislação diferenciada para micro e pequenas empresas

Autor: Ricardo de Freitas

Publicado em

A Exigência de Balanço Patrimonial para Microempreendedores Individuais em Licitações Públicas

Luciano Reis, doutor e mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), doutor em Direito Administrativo pela Universitat Rovira i Virgili, presidente do Instituto Nacional da Contratação Pública e sócio do RLLAW, discute a obrigatoriedade de apresentação de balanço patrimonial por Microempreendedores Individuais (MEIs) em processos licitatórios.

A Criação do MEI e seus Benefícios

O Microempreendedor Individual (MEI) foi instituído pela Lei Complementar nº 128/2008, que modificou e adicionou dispositivos à Lei Complementar nº 123/2006. Essa figura jurídica destina-se a indivíduos com receita bruta anual de até R$ 81 mil no ano-calendário anterior, optantes pelo Simples Nacional e que não estejam impedidos de escolher a sistemática de tributação prevista no artigo 18 da LC 123/2006. Além disso, o empresário individual deve se enquadrar na definição do artigo 966 do Código Civil ou exercer atividades de industrialização, comercialização e prestação de serviços no âmbito rural, bem como aquelas definidas pelo CGSN nos §§ 4º-A e 4º-B do artigo 18 da LC 123.

O objetivo principal da criação do MEI foi formalizar pequenos empreendedores, oferecendo-lhes uma série de vantagens, como a simplificação tributária, o acesso a linhas de crédito e benefícios previdenciários, a redução de custos e a possibilidade de participar de licitações públicas e prestar serviços a órgãos governamentais.

A Habilitação em Licitações e a Qualificação Econômico-Financeira

Embora a legislação brasileira tenha estabelecido um tratamento diferenciado para facilitar a participação dos MEIs em licitações, ainda se faz necessário um conjunto de informações e documentos que atestem a aptidão do MEI como licitante para que se obtenha sucesso no certame.

Entre os documentos exigidos, especialmente aqueles relacionados à habilitação, destaca-se a qualificação econômico-financeira. Essa exigência visa garantir a capacidade econômica do fornecedor para cumprir as obrigações decorrentes do contrato administrativo, diminuindo assim o risco para a administração pública ao contratar com terceiros.

Conforme Ronny Charles, a qualificação econômico-financeira consiste em “um conjunto de dados e informações condizentes com a natureza e as características/especificidades do objeto, capazes de aferir a capacidade financeira da licitante, em relação aos compromissos que terá de assumir, caso lhe seja adjudicado o contrato” [1].

A nova Lei de Licitações, em seu artigo 69, estabelece que a habilitação econômico-financeira tem como objetivo demonstrar a aptidão econômica do licitante para cumprir as obrigações futuras, devendo ser comprovada de forma objetiva por meio de coeficientes e índices econômicos previstos no edital e devidamente justificados no processo licitatório.

Diversas formas de comprovação são aceitas, incluindo a apresentação do balanço patrimonial, da demonstração do resultado do exercício e de outras demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais, índices contábeis, exigência de capital social ou patrimônio líquido mínimo equivalente a 10% do valor estimado da licitação, e a certidão negativa de feitos sobre falência expedida pelo distribuidor da sede do licitante.

O Código Civil, em seu artigo 1.179, determina a obrigatoriedade de todas as empresas manterem um sistema de contabilidade baseado na escrituração uniforme de seus livros, em consonância com a documentação respectiva [2]. Essa escrituração contábil é fundamental para a fiscalização pelas autoridades competentes.

A Dispensa do Balanço Patrimonial para MEIs: Uma Análise Complexa

A legislação brasileira, ao tratar de microempresas e empresas de pequeno porte, prevê exceções à regra geral, permitindo a comprovação da capacidade econômico-financeira por meio de documentos alternativos. O próprio Código Civil, em seu artigo 1.179, § 2º, dispensa o pequeno empresário da exigência de balanço patrimonial.

O balanço patrimonial é um relatório contábil que demonstra a situação financeira de uma empresa em um determinado período, apresentando seus ativos, passivos e patrimônio líquido. Esse documento é crucial para avaliar a saúde financeira da empresa e é frequentemente exigido em licitações para assegurar a capacidade de execução dos contratos.

O MEI, por sua vez, representa uma política pública para formalizar pequenos negócios com receita bruta anual limitada a R$ 81 mil, sendo isento da maioria das obrigações contábeis e tributárias aplicáveis a outros tipos empresariais, incluindo a obrigatoriedade de manter escrituração contábil e balanço patrimonial.

Surge então a questão: como conciliar a exigência de apresentação do balanço patrimonial em licitações com os benefícios concedidos aos MEIs e às empresas de pequeno porte?

O Decreto nº 8.538/2015 e a Jurisprudência dos Tribunais de Contas

O Decreto nº 8.538/2015, que regulamenta o tratamento favorecido nas contratações públicas federais, estabelece em seu artigo 3º que microempresas e empresas de pequeno porte podem ser dispensadas da apresentação do balanço patrimonial em licitações de fornecimento de bens para pronta entrega ou para a locação de materiais.

Embora o decreto não mencione explicitamente o MEI, uma interpretação sistemática sugere que a mesma dispensa deveria ser aplicada, considerando a menor estrutura do MEI [3]. Contudo, é importante ressaltar que este decreto federal se aplica apenas à administração pública federal direta, autárquica e fundacional, não se estendendo automaticamente a estados e municípios. Estes entes podem utilizá-lo por analogia, enquanto não legislarem sobre o tema.

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A Constituição Federal outorga a competência para dispensar tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte aos entes federativos por meio de lei. Dessa forma, estados e municípios podem legislar sobre a matéria, inclusive ampliando as hipóteses de dispensa de documentos de habilitação para o MEI.

A possibilidade de aplicação do artigo 47, parágrafo único, da Lei Complementar nº 123/2006, que prevê a aplicação da legislação federal mais favorável enquanto não houver legislação estadual ou municipal específica, é controversa. A interpretação da expressão “legislação federal” como abrangendo apenas leis federais, e não regulamentos, como o Decreto nº 8.538/2015, parece mais adequada, conforme se observa na redação do artigo 187 da nova Lei de Licitações [4].

A flexibilização das exigências busca equilibrar a competitividade e ampliar as oportunidades para os MEIs nas contratações públicas, promovendo inclusão e desenvolvimento econômico. No entanto, a ausência do balanço patrimonial pode dificultar a análise da capacidade econômica, representando um risco para a administração pública.

Diante dessa complexidade, é crucial analisar a jurisprudência sobre o tema. O Tribunal de Contas da União (TCU), em acórdão recente (Acórdão 2586/2024 – Plenário) proferido sob a égide da nova Lei de Licitações, manteve o entendimento de que o MEI deve apresentar o balanço patrimonial e as demais demonstrações contábeis quando exigido para fins de qualificação econômico-financeira [5]. Segundo o relator, a nova lei excepciona a apresentação apenas nos casos do artigo 70, inciso III [6], que se refere a contratações de baixa materialidade econômica, compatíveis com a atuação de MEIs [7]. Esse entendimento já era aplicado sob a Lei nº 8.666/1993 (Acórdão nº 133/2022 – Plenário) [8].

O Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) também se manifestou no mesmo sentido (Acórdão nº 760/2023), entendendo indevida a dispensa do balanço patrimonial para MEIs em um pregão eletrônico, por não se enquadrar na exceção do artigo 3º do Decreto Federal nº 8.538/2015.

Conclusões e Recomendações

A partir da análise da legislação e da jurisprudência, duas conclusões imediatas podem ser inferidas:

  1. Obrigatoriedade em caso de exigência geral: Caso o edital de licitação estabeleça a obrigatoriedade de apresentação do balanço patrimonial para todos os licitantes, inclusive o MEI, este deverá cumprir a exigência, sob pena de inabilitação.
  2. Âmbito restrito do Decreto nº 8.538/2015: A regra de dispensa do balanço patrimonial prevista no artigo 3º do Decreto Federal nº 8.538/2015 tem aplicação restrita à administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

No entanto, Luciano Reis defende que a administração pública, ao elaborar o edital, possui a prerrogativa de dispensar parte dos documentos de habilitação, incluindo aqueles relativos à qualificação técnica ou econômico-financeira, com base na autorização constitucional e no princípio da razoabilidade [9].

O artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal permite apenas as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Além disso, o artigo 18 da Lei de Licitações estabelece que a fase preparatória é o momento adequado para motivar as condições do edital, incluindo os requisitos de qualificação econômico-financeira.

Dessa forma, o rol de documentos habilitatórios não é taxativo e pode ser dispensado parcialmente, aplicando-se a “inteligência e sensibilidade” ao caso concreto. Avaliar os riscos de exigências desarrazoadas ou excessivas, considerando a complexidade e o porte da contratação, bem como o potencial de fornecedores, é fundamental para a discricionariedade na escolha dos documentos.

O autor argumenta que um edital pode dispensar certos documentos para “determinados licitantes”, e o MEI poderia se enquadrar nessa situação, aplicando o princípio aristotélico de tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.

Em suma, a discussão sobre a flexibilização das exigências documentais para os MEIs é de extrema relevância para fomentar sua participação no mercado público em demandas compatíveis com suas características. Adicionalmente, a capacitação dos MEIs em gestão financeira e contabilidade pode melhorar a qualidade dos documentos apresentados e aumentar suas chances de sucesso em licitações públicas.

Documento Exigido para Habilitação Econômico-FinanceiraMEI (Obrigatoriedade)Decreto Federal nº 8.538/2015 (Aplicabilidade)Jurisprudência do TCU e TCE-PR (Entendimento)
Balanço PatrimonialGeralmente exigido se o edital não dispensar expressamente.Dispensa para bens de pronta entrega e locação (âmbito federal).Exigível para qualificação econômico-financeira, mesmo com a dispensa do Código Civil, exceto em contratações de baixa materialidade.
Demonstrações ContábeisGeralmente exigidas juntamente com o balanço patrimonial.Não especificado.Exigíveis para qualificação econômico-financeira.
Capital Social ou Patrimônio Líquido MínimoPode ser exigido, devendo ser proporcional à capacidade do MEI.Não especificado.A exigência deve ser razoável e proporcional à capacidade do MEI.
Certidão Negativa de FalênciaGeralmente exigida.Não especificado.Exigível para comprovar a regularidade jurídica.

Ricardo de Freitas não é apenas o CEO e Jornalista do Portal Jornal Contábil, mas também possui uma sólida trajetória como principal executivo e consultor de grandes empresas de software no Brasil. Sua experiência no setor de tecnologia, adquirida até 2013, o proporcionou uma visão estratégica sobre as necessidades e desafios das empresas. Ainda em 2010, demonstrou sua expertise em comunicação e negócios ao lançar com sucesso o livro "A Revolução de Marketing para Empresas de Contabilidade", uma obra que se tornou referência para o setor contábil em busca de novas abordagens de marketing e relacionamento com clientes. Sua liderança no Jornal Contábil, portanto, é enriquecida por uma compreensão multifacetada do mundo empresarial, unindo tecnologia, gestão e comunicação estratégica.

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