A liberação do saldo das contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) levou milhões de brasileiros a fazer fila nas agências da Caixa (foto) e, resultou, nos primeiros dis, em saques que já chegam a quase R$ 4 bilhões. A corrida ao FGTS é a maior prova de que, ao contrário do que muitos imaginam, ele não é um direito – mas um imposto. O FGTS faz parte de uma extensa classe de direitos disfarçados, ou falsos direitos. Na letra da lei, existe para proteger o trabalhador em caso de demissão. Na prática, é mais uma forma de o governo extrair recursos da sociedade. Nenhum ativo do mercado financeiro rende tão pouco – apenas 3% acima da taxa referencial de juros (TR). Nos últimos 15 anos, o rendimento do FGTS ficou aproximadamente 24% abaixo da inflação. O efeito dessa diferença sobre o capital do trabalhador ao longo do tempo é devastador. Em 30 anos, segundo a simulação do analista Luciano Tavares, R$ 1000 se tornam R$ 4.344 numa conta do FGTS, R$ 10.936 na poupança e R$ 16.269 se aplicados à taxa Selic (275% a mais). Numa carteira diversificada de investimento, viram R$ 25.753, quase 500% a mais. Levando em conta a remuneração média pela Selic, o governo leva embora, portanto, 73% do capital que o trabalhador obteria no mercado. Ao longo de uma vida inteira recebendo o mesmo salário, essa proporção seria um pouco menor, de quase 62%. Por que, então, sindicatos e movimentos sociais lutam pela preservação do FGTS como um direito? Que mecanismo leva parte da população a considerar “direito” um imposto desse tamanho? O FGTS é apenas a mais eloquente manobra ilusionista da legislação trabalhista brasileira. Ele é um exemplo evidente, pois permite um cálculo aritmético preciso das perdas que traz. Ainda assim, o ilusionismo surte efeito. Que dizer das outras dezenas de falsos direitos, que apenas impõem obrigações ou custos disfarçados? Ou, de modo mais geral, das proteções que são, no fundo, ineficiências cujo preço é pago por todos, na forma de uma economia menos ágil e de produtos piores e mais caros? Tomadas em conjunto, as proteções oferecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) empurram mais de 40% dos trabalhadores brasileiros para a ilegalidade, conhecida pelo eufemismo “informalidade”. Enquanto os demais 60% podem se julgar “protegidos”, a mão-de-obra informal não tem simplesmente direito nenhum. Será que a CLT pode mesmo ser considerada proteção, ou é um privilégio? E as leis que regem o funcionalismo público? O arcabouço mental que rege a leitura torta dessa realidade é o mesmo que se recusa a reconhecer a necessidade da reforma da Previdência. A ilusão é a mesma. Consiste em considerar que a realidade conseguirá abraçar qualquer tipo de direito ou proteção estabelecido na lei, como se não houvesse restrições econômicas de nenhuma espécie. No mundo dos ilusionistas, é possível garantir aposentadoria aos 58 anos, pagar mais um terço do salário nas férias, décimo-terceiro, horas extras em dobro, limitar a jornada de trabalho e impôr toda a barafunda de normas estipulada pela CLT. No mundo real, a pergunta a fazer é: quanto custa tudo isso? Quem paga a conta? Foi essa a pergunta incômoda de que os constituintes se esqueceram em 1988, ao criar dezenas de direitos sociais, também conhecidos como “de segunda geração” ou “positivos”. Saúde, educação e previdência têm natureza distinta das liberdades que o filósofo britânico Isaiah Berlin definia como “negativas” – direito de ir e vir, expressar opinião, votar, manifestar-se, ser submetido a processos dentro da lei, não ser torturado etc. Por mais que os sistemas eleitoral, judiciário e de segurança pública exijam recursos do Estado, a proporção é bem menor. Há uma relação inequívoca entre a garantia dos direitos sociais e a necessidade de gerar riqueza para pagá-los. Eles simplesmente não existem sem crescimento econômico. De nada adianta gravá-los na Constituição, se a mesma Constituição impuser freios ao crescimento. Na prática, isso significa que podemos continuar no mundo da fantasia trabalhista, mas 40% dos trabalhadores não terão direito algum. Podemos impôr uma idade de aposentadoria abaixo daquela que a reforma da Previdência propõe, mas o sistema continuará falido e exigirá nova reforma daqui a poucos anos. Podemos fingir que todas a garantias sociais da Constituição são viáveis, mas a realidade teimará em se impôr sorrateira. Podemos continuar a acreditar nos infinitos falsos direitos, mas seremos ludibriados por mecanismos crueis como o FGTS. Helio Gurovitz via G1