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Receitas de impostos como garantia de empréstimos bancários

Receitas de impostos como garantia de empréstimos bancários

13/03/2018 às 12h47 Atualizada em 13/03/2018 às 15h47
Por: Ricardo de Freitas
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Foto: Reprodução
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Tem sido amplamente discutido o fato de que bancos públicos federais, especialmente a Caixa, estariam realizando operações de crédito com entes subnacionais — estados e municípios — sem a exigência de aval da União, aceitando como garantia receitas futuras de impostos, sobretudo as oriundas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE). A questão se coloca em razão de vedação explícita prevista em norma constitucional. É que a Constituição Federal, por meio do inciso IV do artigo 167, com a redação dada pela EC 42/2003, veda “a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”. Trata-se do princípio da não afetação da receita, que visa preservar ao legislador futuro a maior liberdade possível de alocação dos recursos futuros, quando chegar o tempo de discutir sua alocação por ocasião da elaboração da lei orçamentária. Assim, veda-se que o legislador ou o governante atual vincule as receitas futuras de impostos, ressalvadas algumas possibilidades expressas no texto constitucional. O inciso IV do artigo 167 da CF encerra norma proibitiva específica, ressalvando expressamente apenas as hipóteses tratadas nos artigos 198, parágrafo 2º (ações e serviços públicos de saúde), 212 (manutenção e desenvolvimento do ensino), 37, XXII (atividades da administração tributária), 165, parágrafo 8º (garantias às operações de crédito por antecipação de receitas – ARO, que é um tipo de empréstimo de curta duração, dentro do exercício financeiro), e 167, parágrafo 4º (garantia e contragarantia à União ou pagamento de débitos com a União). Alegou-se que operações de crédito com recursos do FGTS poderiam aceitar esse tipo de garantia, em face do que dispõe a Lei 8.036/1990, que, em seu artigo 9º, inciso I, alínea h, admite que o tomador do crédito ofereça “h) garantia real ou vinculação de receitas, inclusive tarifárias, nas aplicações contratadas com pessoa jurídica de direito público ou de direito privado a ela vinculada”. Muito embora esse dispositivo preveja que os recursos do FGTS podem ser aplicados em operações que tenham como garantia a vinculação de receitas de pessoa jurídica de direito público, há que se compreender que tal possibilidade de garantia não pode abranger as receitas de impostos, haja vista que lei federal não pode contrariar norma constitucional. O Ministério Público de Contas levou ao Tribunal de Contas da União essa questão mediante representação, oferecendo a oportunidade para que a corte de contas se manifeste sobre essa importante questão para as finanças públicas nacionais. Uma operação com garantia inconstitucional equivale a uma operação sem garantia alguma. Qual instituição financeira emprestaria recursos de monta sem garantia? Certamente, nenhuma. Observe-se o que ocorreu com o município de Nova Iguaçu (RJ), que conseguiu decisão judicial favorável em processo movido contra a Caixa Econômica Federal com o fim de declarar a nulidade de cláusula do contrato de financiamento que previa a vinculação, como garantia, de parcelas do ICMS recebidas do estado do Rio de Janeiro. Eis a ementa da decisão, proferida em grau de apelação (grifou-se): “ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO DE RECEITA TRIBUTÁRIA A EMPRÉSTIMO PÚBLICO CONTRAÍDO PELO MUNICÍPIO PARA PAGAMENTO DE DESPESAS CORRENTES. VEDAÇÃO PELO PRINCÍPIO DA NÃO AFETAÇÃO, CONSAGRADO PELO § 2º DO ARTIGO 62 DA EC N. 1 /69, ENTÃO VIGENTE À ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE IMPÔS A VINCULAÇÃO. I- Como relatado, cuida-se de apelo da CEF contra a sentença que julgou procedente a pretensão autoral para declarar nula a cláusula nona do contrato de financiamento celebrado com a aludida instituição financeira, a qual prevê a vinculação, em garantia, de parcelas do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadoria (ICM), depositadas pelo Estado do Rio de Janeiro em favor do Município de Nova Iguaçu. II- Como garantia do pagamento, ficou ajustado entre os contratantes a vinculação das parcelas do ICM recebidas pelo Município de Nova Iguaçu, assim como restou o Banerj autorizado a reter o valor correspondente aos juros de amortização e demais obrigações decorrentes do contrato, até o integral pagamento, conforme o disposto na cláusula nona. III- O empréstimo público foi contraído pelo Município de Nova Iguaçu para cobertura de déficit orçamentário municipal, resultante das despesas com pessoal, previdência social, fornecedores e prestadores de serviços, ou seja, para o custeio de despesas correntes. IV- Ocorre que a vinculação do produto da arrecadação de tributo ao custeio de despesas correntes já era vedada à época da celebração do empréstimo público contraído pelo Município, como se pode inferir do então vigente artigo 62 , § 2º , da EC n. 1 /69. Cuida-se da aplicação do princípio da não afetação da receita, também consagrado na atual Constituição Federal de 1988, no artigo 167 , inciso IV . V- Apelo da CEF desprovido.” (TRF/2ª Região, 7ª Turma Especializada, Apelação Cível, processo 0000696-59.1991.4.02.0000, julgado em 18/3/2009, Relator: Des. Theophilo Miguel) Vale repetir, a celebração de operação de crédito com garantia vedada constitucionalmente significa, na prática, uma operação de crédito sem garantia alguma, uma vez que tal garantia não pode ser executada em caso de inadimplência, sob pena de negar-se vigência ao texto constitucional. Assim, em caso de inadimplemento pelo ente subnacional, a instituição credora ver-se-á em sérias dificuldades para obter a satisfação de seu crédito. Se a operação não logrou contar com aval da União, certamente isso decorre da fragilidade da situação fiscal do ente subnacional e de seu provável desenquadramento em limites previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, situação que aponta para prováveis dificuldades de pagamento do empréstimo pretendido. Não é sem razão que a União nega aval a certas pretensões de obtenção de crédito. Quando ela assim age, o faz de forma motivada, calcada em critérios técnicos e objetivos. A concessão de empréstimos a estados e municípios por bancos públicos federais sem aval da União é absolutamente incoerente com a política de incentivo à responsabilidade fiscal e apresenta características de temeridade quando se aceitam garantias vedadas pela Constituição e que, portanto, não podem ser executadas. A garantia é inconstitucional, e a operação resta não garantida, com elevado risco. Volte-se a perguntar, que instituição financeira adequadamente gerida concordará em emprestar recursos vultosos sem garantia alguma para o caso de inadimplência? Certamente Bradesco, Itaú e Santander não o fariam. Por que motivos alguém em sã consciência pode imaginar que a Caixa ou o BNDES podem emprestar bilhões sem garantia alguma? É evidente que isso seria desnaturar a natureza de instituição financeira, que tem de se reger por critérios de prudência, para transformá-los em meros instrumentos políticos de distribuição de recursos a fundo perdido para aliados, numa clara burla à Lei de Responsabilidade Fiscal. Com efeito, cabe indagar que sentido faz a União condicionar seu aval ao regular enquadramento em parâmetros que indicam solidez e responsabilidade fiscal se esse aval puder ser facilmente dispensável pelas instituições financeiras controladas pela própria União? De fato, não faz sentido algum, e por isso mesmo não pode ser aceito.
 

 é procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União.

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