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Contrato de gaveta: quais são os riscos e como se proteger juridicamente!

Contrato de gaveta: quais são os riscos e como se proteger juridicamente!

09/12/2020 às 09h15 Atualizada em 09/12/2020 às 12h15
Por: Ricardo de Freitas
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Gavetas! Você certamente já viu uma e talvez, agora mesmo, tenha uma em seu campo de visão. Confere? Trata-se de um compartimento onde podem ser guardados, protegidos e escondidos diversos objetos, os quais não se pretende deixar expostos aos olhos de qualquer pessoa.

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Não há uma dimensão padrão ou obrigatória para uma gaveta, variando o seu tamanho de acordo com a finalidade de guarda a que se destina.

É! Afinal, a gavetinha do móvel que fica na sua penteadeira para guardar brincos e anéis não precisa possuir as mesmas dimensões do gavetão da cozinha que guarda o jogo daquelas panelas gigantescas, dignas de MasterChef.

Mas, antes que você pense que contrato de gaveta tem a ver com marcenaria – porque não tem! – eu justifico essa introdução de artigo pelo fato de que a essência da definição literal de “gaveta” pode ajudar a melhor entender o tema jurídico. 

Continue a leitura, pois, além de ficar sabendo tudo de mais relevante sobre essa modalidade de contrato, irá descobrir como isso poderá ser utilizado por você!

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O QUE É O CONTRATO DE GAVETA?

Entende-se por contrato de gaveta o meio jurídico particular e informal utilizado para registrar negócios firmados, mas sem que terceiros – além dos contratantes – tomem conhecimento deles.

  • É uma forma de se fazer negócio às escondidas?

Tecnicamente, sim. O contrato de gaveta é comumente utilizado na compra e venda de imóveis, principalmente os que ainda estão sendo financiados, não havendo qualquer tipo de formalização dessa transação oculta no Cartório de Registro de Imóveis.

Imagine o seguinte exemplo prático: Ana Gavetina firmou um financiamento com o banco Gaveta Econômica Federal, adquirindo um imóvel em seu nome. Porém, não mais suportando pagar o tal financiamento, ela firma um contrato de gaveta com José Gavetôncio, que irá assumir indiretamente suas prestações, sem que o banco esteja ciente.

Ou seja, na teoria – e aos olhos de qualquer pessoa, inclusive do banco – Ana Gavetina é quem está pagando e quem irá responder por toda e qualquer repercussão do financiamento; mas, na prática, existe um contrato de gaveta entre ela e José Gavetôncio, que comprou o imóvel financiado e está adimplindo as parcelas devidas.

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COMO FUNCIONA O CONTRATO DE GAVETA?

No contexto do exemplo anterior – que é o que comumente ocorre na prática –, o contrato de gaveta é realizado entre o vendedor, que contraiu financiamento com a agência financeira/bancária, e o comprador, chamado de “gaveteiro”.

O vendedor permanece como o titular do negócio firmado com o banco até que seja realizada a quitação de todo o procedimento de financiamento. Assim, o “gaveteiro” do contrato de gaveta é considerado um simples possuidor do bem. Para o banco, o devedor é o primeiro comprador.

Trata-se, portanto, de um documento particular de compra e venda, no qual não há a interferência de nenhuma agência imobiliária ou instituição bancária. E, como já citado, o registro atestando a propriedade da parte intitulada no contrato de gaveta como “compradora” não é atualizado perante o Cartório de Registro de Imóveis competente.

Geralmente, nos contratos de gaveta, o registro da transferência da propriedade para o “gaveteiro” ocorre somente após a quitação do financiamento, onde a parte vendedora (que tratou diretamente com o banco e firmou legalmente o financiamento, por meio de um contrato de mútuo), viabiliza a transferência. 

Compreendeu agora a associação feita no início do artigo, onde definimos “gaveta”? Veja: um contrato de gaveta é um “compartimento” (instrumento jurídico) onde podem ser guardados, protegidos e escondidos diversos objetos (compra e venda de imóvel financiado), os quais não se pretende deixar expostos aos olhos de qualquer pessoa (contrato particular e informal, não havendo registro no cartório competente).

  • Ué! Mas o Direito reconhece como válida essa modalidade de contratação?

Calma! Daqui a algumas linhas no decorrer deste artigo, iremos chegar nessa questão. Por hora, eu digo apenas que, apesar do risco envolvendo esse procedimento, a elaboração de contratos de gaveta é bem mais comum do que se imagina. Isso porque nem sempre esses contratos são chamados assim, mas, na prática, são legítimos contratos de gaveta.

OS PORQUÊS DE UM CONTRATO DE GAVETA.

Primeiramente, vale esclarecer que em uma compra e venda formal de imóvel é preciso que haja o registro da transferência da propriedade, que é um documento público, podendo qualquer pessoa ter acesso a ele. Aqui, impera o chamado princípio da publicidade.

Já na modalidade contrato de gaveta não há publicidade e, em regra, só as partes que firmaram o negócio sabem dessa transação, afinal, não há registro em cartório, estando esse instrumento jurídico apenas nas “gavetas” de quem vende e de quem compra o imóvel.

  • Mas, por qual motivo alguém iria querer fazer um negócio oculto assim, em vez de registrar tudo bonitinho no cartório e ter um documento com fé pública, que atesta exatamente o que foi combinado?

Bom, quanto às razões de se pactuar um contrato de gaveta, uma delas diz respeito ao fato de, nas décadas de 80 e 90, terem sido instituídas várias restrições para a compra e venda de bens imóveis, que, inclusive, aumentaram os custos de financiamento.

Como consequência, o contrato de gaveta passou a popularizar-se, tornando-se uma modalidade de fazer negócios bastante comum.

Além disso, vale lembrar que a transferência formal da propriedade de um imóvel apenas é legal se feita por meio de um registro de cartório de imóveis, o que envolve diversos procedimentos burocráticos e o pagamento da altíssima carga tributária que se aplica ao mercado imobiliário e que incide sobre a transação referente à transferência de imóveis financiados.

Assim, a principal ideia de se realizar o pagamento de um imóvel que está em nome de outro alguém é considerada uma estratégia para diminuir os gastos.

Por isso, em vez de as pessoas procurarem uma análise de crédito junto aos bancos, por exemplo, ou de se organizarem para realizar o negócio da forma legalmente permitida, partiu-se para famoso – e por muitos repudiado – jeitinho brasileiro, com um contrato de gaveta.

O CONTRATO DE GAVETA É VÁLIDO? O DIREITO RECONHECE ESSA MODALIDADE?

O próprio nome “contrato de gaveta” sugere algo obscuro, sorrateiro, às escondidas, e isso somado às demasiadas vantagens já citadas nos induz a pensar “isso tá errado! Só pode ser ilegal!”, concorda? Mas, não é bem assim.

Como já mencionado, um contrato de gaveta não tem o seu registro efetivado no Cartório de Registro de Imóveis e, em regra, é feito apenas com o reconhecimento de firma das partes. Mas isso não o torna inválido aos olhos da lei.

Trata-se, portanto, o contrato de gaveta de um instrumento não oficial, cuja validade, porém, se restringe, exclusivamente, às partes que o assinam (vendedor e comprador/gaveteiro). Em outras palavras, essa modalidade é válida para pactuar obrigações entre as partes, mas não vale perante terceiros.

Vale destacar que os bancos responsáveis pelo financiamento de imóveis também entendem que o contrato de gaveta é um mecanismo irregular.

Eles partem do entendimento de que o art. 1º da Lei nº 8.004/90, que estabelece que o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação – SFH deve transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato, exige a formalização da venda e que ela seja realizada em ato concomitante à transferência obrigatória na instituição financiadora.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça – STJ entende que esse mecanismo pode ser legal e permite que se discuta judicialmente as obrigações e os direitos assumidos entre as partes de um contrato de gaveta.

O tribunal considera também que, com a quitação de todas as parcelas, não seria possível realizar a anulação de uma provável transferência, já que, em regra, não foram causados prejuízos ao Sistema Financeiro de Habitação – SFH.

Na prática, em caso de inadimplência das parcelas do financiamento, por exemplo, Ana Gavetina, a vendedora, poderá cobrar a dívida de José Gavetôncio. Fato! Porém, ao ser, por sua vez, cobrada pela Gaveta Econômica Federal, não poderá a legítima proprietária do imóvel indicar o “gaveteiro” como real devedor, pois, juridicamente falando, ele sequer existe na relação negocial com o banco.

QUAIS OS RISCOS DE UM CONTRATO DE GAVETA?

Apesar de ser uma prática que, à primeira vista, parece vantajosa, esse tipo de contrato envolve uma série de riscos para ambas as partes.

O principal fato disso é que a confiança entre as partes é fundamental para garantir a concretização do negócio, já que a efetiva legitimidade depende das condutas esperadas e pactuadas entre ambas.

É por isso que o risco é maior, pois pode ocorrer má-fé da parte que vende ou da que compra o imóvel por meio de um contrato de gaveta. Em tese, esse fato seria considerado fraude, contudo, a ausência de registro torna o provável processo judicial algo mais complexo.

Como o contrato de gaveta é considerado um documento não oficial, o reconhecimento de direitos e obrigações se restringe às partes. Por isso, é fundamental que se esteja ciente dos riscos desse tipo de negócio.

Riscos para o comprador (“gaveteiro”) no contrato de gaveta

A parte que se qualifica como compradora em um contrato de gaveta, também conhecida como “gaveteira”, suporta diversos riscos.

Pegando o exemplo de Ana Gavetina (vendedora) e de José Gavetôncio (comprador/gaveteiro), imaginemos que este esteja morando com sua família no imóvel adquirido por meio do contrato de gaveta.

Antes de findar o financiamento realizado formalmente por Ana Gavetina e pago informalmente pelo “gaveteiro”, porém, José Gavetôncio falece. 

Nesse caso, há o risco de sua família ficar desabrigada, já que o imóvel não poderá ser incluído na divisão de bens, haja vista que, legalmente, ele não era de propriedade do falecido.

Se, por outro lado, em vez de Josê Gavetôncio, quem faleceu foi Ana Gavetina, o imóvel será dos herdeiros desta, que era a legítima proprietária do imóvel, deixando a família Gavetôncio desamparada.

Outra provável ocorrência é a venda regular do imóvel para uma terceira pessoa. Imagine que Ana Gavetina, após adimplir o financiamento com os valores pagos por José Gavetôncio, utilizando-se de demasiada má-férealiza a venda formal do bem para Antônio Bandeja.

Isso poderá ser feito em cartório, já que não há um registro apto a impedir essa operação, pois não existe a comprovação pública perante terceiros de que a propriedade tenha sido transferida pelo contrato de gaveta. Trata-se a situação de um típico golpe no segmento imobiliário.

Assim, um vendedor de má-fé poderá vender o bem para outros interessados, deixando o “gaveteiro” trancado para agir de imediato, sendo preciso este ingressar com uma ação judicial visando a discutir a validade e as condições do contrato de gaveta para, somente após, caso saia vitorioso, cobrar algo do vendedor. 

Riscos para o vendedor no contrato de gaveta

O vendedor do imóvel que se utiliza de um contrato de gaveta também está sujeito a uma série de perigos. O principal deles, por exemplo, é o caso de o comprador deixar de pagar as prestações com as quais se comprometeu.

Aqui, a vendedora Ana Gavetina se depara com a má-fé de José Gavetôncio, que, mesmo anuindo com a obrigação de pagar o valor exato do financiamento firmado entre aquela e o banco Gaveta Econômica Federal, deixa de arcar com a dívida.

Nessa situação, Ana Gavetina poderá ter o seu nome incluído no SPC e SERASA, e o banco poderá executar a dívida diretamente contra ela, que, em regra e juridicamente falando, é a legítima proprietária e devedora das parcelas do financiamento.

Lembre-se que nem o banco, nem qualquer terceiro sabe da existência do contrato de gaveta – particular e informal – firmado entre Ana Gavetina e José Gavetôncio.

Seguindo o raciocínio, caso o banco retome o bem ou este seja adquirido em leilão por um terceiro, mesmo assim, o vendedor continuará com o seu nome nos cadastros do banco, o que poderá inviabilizar a obtenção de crédito e a autorização de financiamentos e empréstimos.

EXEMPLO DE RISCO PARA A PARTE QUALIFICADA COMO VENDEDORA NO CONTRATO DE GAVETAEXEMPLO DE RISCO PARA A PARTE QUALIFICADA COMO COMPRADORA NO CONTRATO DE GAVETA
Se a parte COMPRADORA não honrar com sua obrigação de pagar as parcelas devidas em decorrência do contrato de gaveta, é única e exclusivamente a parte VENDEDORA que será cobrada pela agência financeira/bancária e poderá ter seu nome incluído no SPC e SERASA.Como não há registro em cartório, a parte VENDEDORA, de má-fé, poderá vender formalmente o imóvel objeto do contrato de gaveta para uma terceira pessoa, deixado a parte COMPRADORA no prejuízo. Esse é um típico golpe no segmento imobiliário.

MAS, QUERENDO (OU PRECISANDO) FIRMAR UM CONTRATO DE GAVETA, O QUE PODE SER FEITO PARA PROTEGER AS PARTES?

Apesar de o contrato ser “de gaveta”, antes de ser guardado, é aconselhável que ambas as partes reconheçam firma em cartório – de preferência, por autenticidade – no momento em que é feita a assinatura do instrumento. Isso irá garantir uma maior autenticidade de anuência ao que consta expresso nas cláusulas do contrato de gaveta.

Outro cuidado a ser tomado é justamente guardar – mas não necessariamente em uma gaveta – o contrato de gaveta e todos os demais documentos, conversas, e-mails e recibos que atestem o negócio firmado e o pagamento das prestações. Isso é essencial para provar que se agiu de boa-fé.

Por fim, mas não menos importante, indicamos que a melhor maneira de conduzir todo e qualquer tipo de contratação, inclusive no que diz respeito a um contrato de gaveta, é valendo-se do auxílio de bons advogados especialistas no assunto.

Fonte: https://chcadvocacia.adv.br/

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