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A sociedade quer mesmo "desconstitucionalizar" a previdência?

A sociedade quer mesmo "desconstitucionalizar" a previdência?

13/05/2019 às 15h57 Atualizada em 13/05/2019 às 18h57
Por: Vanessa Marques
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Foto: Reprodução
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Vinícius Pacheco Fluminhan

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A Constituição de 1988 fortaleceu a cidadania e consolidou os anseios de uma sociedade menos injusta e menos desigual. Cientes do status diferenciado das normas constitucionais e receosos de que nossas esperanças não se transformassem em realidade, optamos naquela ocasião por colocar uma grande quantidade das reivindicações populares no corpo da Constituição, tornando-a até hoje, não por acaso, a mais longa de toda a nossa história.

Um dos pontos polêmicos da reforma previdenciária é a retirada quase completa das normas de natureza previdenciária do corpo da Constituição. O argumento principal da PEC 6/2019 consiste na necessidade de desburocratização de algumas matérias que costumam emperrar o processo legislativo. De fato, nem sempre é fácil obter consenso na aprovação de algumas matérias. Neste sentido, a despeito de vivermos num regime democrático, o tempo para maturação de uma proposta pode tornar-se um inimigo do governo, especialmente quando a habilidade de articulação política não é a maior virtude de quem exerce o poder.

Por outro lado, as normas constitucionais possuem dois aspectos muito marcantes: são proeminentes e perenes. Com efeito, elas têm posição hierárquica superior em relação às demais, o que obriga estas últimas a respeitarem os princípios e os valores daquelas. Por outro lado, a vigência duradoura do texto constitucional decorre do próprio processo de emendas, caracterizado por procedimentos solenes que exigem amplo consenso de deputados e senadores. Em função dessas características, a nossa cultura jurídica identifica nas normas constitucionais valores como estabilidadegarantia e confiança. Em suma, sentimos mais segurança quando uma regra está escrita na Constituição.

Então fica a dúvida: por que "desconstitucionalizar" regras importantes do Direito Previdenciário? Qual o sentido desta medida se história já nos provou o quanto é importante a presença de regras previdenciárias na Constituição.

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Colocamos no plano constitucional, por exemplo, a garantia de correção monetária dos salários utilizados no cálculo de aposentadorias porque, acredite-se ou não, já tivemos na legislação infraconstitucional normas estabelecendo que este cálculo se faria sem a atualização monetária dos últimos 12 salários do trabalhador. Mesmo em períodos de inflação! A propósito, foi a presença desta garantia na Constituição que inibiu uma tentativa legislativa de correção parcial dos salários no cálculo de aposentadorias entre os anos de 1994 a 1997, numa manobra que afetava o índice de reajuste do salário mínimo (IRSM). A "salvação" foi constitucional.

Por conta de abusos no passado, colocamos também na Constituição a garantia de reajustes periódicos para a preservação do valor real dos benefícios. Por mais absurdo que possa parecer, o reajuste já ficou aquém da inflação por diversas vezes, sempre com base em normas infraconstitucionais, em especial nos anos de 1997, 1999, 2000 e 2001, no famoso caso envolvendo o reajuste pelo IGP-M. O prejuízo causado aos aposentados e pensionistas foi minimizado pelo STF, que diante da polêmica esclareceu ser assunto de competência do Legislativo e do Executivo. Não obstante, a Corte Maior deixou registrado que a utilização do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) seria um caminho possível para se respeitar doravante a garantia de preservação do valor real dos benefícios. Não por acaso, é esta a diretriz da Lei 8.213/91 até hoje. Novamente, graças à Constituição.

A Constituição também garante que as contribuições previdenciárias tenham reflexos no valor dos benefícios. Com base nesta regra, muitos aposentados recorreram ao Poder Judiciário na última década pleiteando a "desaposentação" para a revisão de proventos, alegando terem sido prejudicados tanto pela extinção do Pecúlio, em 1994, quanto pela criação do Fator Previdenciário em 1999. Como é sabido, o STF não acolheu a pretendida revisão, mas tudo indica que foi justamente a possibilidade de derrota na Corte Maior, que, um ano antes do julgamento ser encerrado, levou o Governo a criar a denominada "Fórmula 85/95" a fim de minimizar os danos aos futuros aposentados. Mais uma vez, ressalte-se, por causa da Constituição...

Esses episódios demonstram que as normas constitucionais funcionam como uma barreira para impedir tentativas oportunistas – e quase sempre irrefletidas – de eliminação ou redução dos direitos previdenciários através de leis infraconstitucionais. Estas não exigem maioria qualificada para aprovação e, consequentemente, não pressupõem ampla discussão no âmbito do Legislativo.

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Por isso, são de aprovação mais rápida e às vezes sem a maturação necessária que um tema importante requer dos legisladores.

Os três exemplos relatados acima são apenas alguns dos muitos que chegaram aos Tribunais desde 1988 e que são solucionados por uma questão de hierarquia normativa, ou seja, porque foram leis que desrespeitavam uma norma superior (no caso, a Constituição). Por isso, em matéria previdenciária a nossa história é clara: não é possível confiar sempre na estabilidade e na idoneidade das leis. Daí a pergunta: a sociedade está realmente disposta a retirar da Constituição as poucas garantidas que temos em matéria previdenciária?

Vinícius Pacheco Fluminhan – Formado em Direito, Especialização em Direito Previdenciário, em Direito e Processo do Trabalho e Mestrado em Direito. Atualmente é Professor do Curso de Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.

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