19°C 30°C
Uberlândia, MG

Como funciona o impeachment de um ministro do STF

Como funciona o impeachment de um ministro do STF

07/05/2022 às 10h53 Atualizada em 07/05/2022 às 13h53
Por: Ricardo de Freitas
Compartilhe:
Brasília - O ministro licenciado da Justiça e Segurança Pública, Alexandre de Moraes, indicado para cargo de ministro do STF, passa por sabatina na CCJ no Senado Federal (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Brasília - O ministro licenciado da Justiça e Segurança Pública, Alexandre de Moraes, indicado para cargo de ministro do STF, passa por sabatina na CCJ no Senado Federal (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Rememorar a prática do expurgo de ministros do Supremo Tribunal Federal prevista na Constituição de 1937, popularmente conhecida como "polaca" — por suas raízes autoritárias inspiradas na Carta Magna polonesa de 1935 —, pode parecer, em uma análise precipitada, aproximação impertinente na compreensão do atual contexto de esvaziamento democrático brasileiro.

Continua após a publicidade

No entanto, conforme veremos, a prática constitucionalmente legitimada durante o Estado Novo nos permite refletir acerca do papel ocupado pelo Poder Judiciário em tempos de crise institucional, em que a independência dos poderes representa ameaça à consolidação de ideologias totalitárias.

O expurgo de membros do Judiciário, entre os quais magistrados do STF, encontrava respaldo, ao tempo da "polaca", em seu artigo 177 . Este conferia ao chefe do Executivo, durante os primeiros 60 dias da outorga da Constituição, a faculdade de aposentar compulsoriamente, por interesse público ou conveniência do regime, funcionários públicos. Em outros termos, Getúlio Vargas, então presidente da República, a fim de eliminar dissidências políticas internas, poderia afastar discricionariamente aqueles servidores que não compartilhassem da sua filosofia centralizadora, para, então, nomear novos funcionários submissos à sua posição.

Nas palavras de Oliveira Vianna (1991), autor de viés conhecidamente autoritário:

"A obediência do funcionalismo ao chefe do Executivo torna-se, assim, essencial ao regime e ao seu pleno funcionamento: só assim o presidente da República poderá conduzir ou liderar a Nação, realizando, de acordo com os poderes que lhe são concedidos (...) as suas diversas 'políticas', num sentido 'unitário'" (Vianna, 1991, p. 157).

Continua após a publicidade

Referida submissão, ainda segundo o autor, é estendida para todos os magistrados, sobretudo, aos ministros do STF, sob pena de ser comprometida a finalidade do artigo 177, que buscou garantir a hegemonia do chefe do executivo. Uma atuação judicial no sentido de confrontamento das práticas governamentais criaria embaraços indesejados à ação do presidente, o qual, deve-se lembrar, concentrava a atividade administrativa e, também, a legislativa. Garantir a submissão do judiciário era, então, essencial a preservação do regime autoritário (Vianna, 1991, p.159).

Alguns vários anos depois (84, especificamente), e já sob a vigência da Constituição de 1988, de viés inquestionavelmente democrático, o papel contra hegemônico exercido pelo Poder Judiciário, em especial pelo STF, continua a ensejar tentativas de silenciamento e controle institucional, sobretudo por governantes nacionalistas. Infelizmente, os exemplos são diversos.

Ministro Alexandres de Moraes (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O mais recente, no entanto, envolve pedido de impeachment formulado pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro, em detrimento do ministro do STF, Alexandre de Moraes. As alegações formuladas atacam decisões judiciais proferidas pelo ministro em processos que afetam o chefe do Executivo, entre elas o recebimento de notícia-crime para apurar o suposto vazamento de informações sigilosas que investigam um ataque de hackers ao sistema de informática do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.

Em que pese a rejeição do pedido pelo presidente do Senado, por entender pela ausência de justa causa — ou seja, pela falta de subsunção dos fatos alegados às normas legais relativas ao impeachment —, algumas considerações devem ser feitas.

Continua após a publicidade

De fato, é possível a abertura de impeachment contra ministro do Supremo Tribunal Federal pela prática de crime de responsabilidade, o qual será processo e julgado pelo senado, conforme dicção constitucional . As hipóteses são taxativamente previstas no artigo 39 da Lei 1.079, são elas: a alteração de decisão ou voto proferido, salvo pela via recursal; o exercício da função jurisdicional quando, por lei, seja suspeito; o exercício de atividade político-partidária; comportamento desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e, por fim, o procedimento de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

Certamente, não estão e nem deveriam estar neste rol, descontentamentos quanto ao conteúdo de decisões judiciais. Do contrário, a separação dos poderes estabelecida dentre os princípios fundamentais da República e cláusula pétrea do ordenamento jurídico brasileiro, restaria esvaziada de sentido.

Em um Estado pautado pela democracia, como o brasileiro, a existência de tensionamentos entre os poderes é constitutiva da interação comunicativa que advém da tentativa de persuasão do outro (SIEGEL; POST, 2009, p. 27). A mobilização e contramobilização dentro e fora das instituições formais não ameaça, tampouco mitiga, o constitucionalismo e a própria democracia. Na verdade, fortalece a deliberação ao demandar o aperfeiçoamento contínuo dos argumentos e das virtudes cívicas, que permitem que todos participem e argumentem a partir do respeito ao desacordo. Jamais da aniquilação.

Referências bibliográficas
POST, Robert; SIEGEL, Reva. Democratic Constitutionalism. In: BALKIN, Jack; SIEGEL, Reva B. (Orgs.). Constitution 2020. Oxford: Oxford University Press, 2009.

Vianna, Francisco José de Oliveira. As garantias da magistratura nos regimes autoritários (O artigo 177 da Constituição Federal de 1937). In:______ . Ensaios inéditos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991, p. 149-199.


 "Artigo 177 - Dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data desta Constituição, poderão ser aposentados ou reformados de acordo com a legislação em vigor os funcionários civis e militares cujo afastamento se impuser, a juízo exclusivo do Governo, no interesse do serviço público ou por conveniência do regime".

 "Artigo 52 - Compete privativamente ao Senado Federal: (...)
II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade".

Ingrid Cunha Dantas é professora, advogada, doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Uberlândia, MG
26°
Parcialmente nublado

Mín. 19° Máx. 30°

27° Sensação
2.57km/h Vento
57% Umidade
0% (0mm) Chance de chuva
06h26 Nascer do sol
05h55 Pôr do sol
Sáb 29° 19°
Dom 30° 19°
Seg 31° 21°
Ter 30° 18°
Qua 30° 18°
Atualizado às 19h07
Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,12 -0,85%
Euro
R$ 5,47 -1,12%
Peso Argentino
R$ 0,01 -1,00%
Bitcoin
R$ 345,874,76 -1,88%
Ibovespa
126,526,27 pts 1.51%
Publicidade
Publicidade