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PEC 300/2016: Retira mais direitos que a reforma trabalhista, devemos nos preocupar?

PEC 300/2016: Retira mais direitos que a reforma trabalhista, devemos nos preocupar?

01/02/2019 às 08h22 Atualizada em 01/02/2019 às 10h22
Por: Ricardo
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Foto: Reprodução
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Partindo de um processo de redemocratização, marcado pelos movimentos grevistas, fortalecimento do sindicalismo e o reconhecimento jurídico dos partidos políticos, surgiu assim, o ambiente sociopolítico ideal para a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte. Nesse contexto de pressão social e instabilidade institucional foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que representou simbolicamente o restabelecimento do Estado Democrático de Direito após 21 anos de regime ditatorial no Brasil.

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Na Constituição Federal de 1988 deu-se destaque para a ideia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do constitucionalismo. O tema foi abordado primeiramente no artigo 1º, Título I, onde trata “Dos Princípios Fundamentais”, e tem como fundamento em seu inciso III, “a dignidade da pessoa humana”. No mesmo Título, artigo 3º, inciso I, menciona “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, sendo estes requisitos necessários para a garantia da dignidade humana. No Título VII, refere-se a “Ordem Econômica e Financeira”, no artigo 170 aborda novamente a ideia da dignidade humana, ao dispor “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)”. Por último, no Título VIII, “Da Ordem Social”, versa sobre umas das dimensões essenciais da dignidade da pessoa humana, o trabalho, onde o artigo 193 assegura que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiças sociais”.

A valorização do trabalho aparece repetidas vezes no texto da Constituição Federal, sendo inclusive um dos fundamentos presentes no artigo 1º, “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Maurício Godinho (2017, p. 47) elucida sobre a importância dada ao valor social do trabalho na Carta Magna:

A valorização do trabalho está repetidamente enfatizada pela Carta Constitucional de 1988. Desde seu “Preâmbulo” essa afirmação desponta. Demarca-se, de modo irreversível, no anúncio dos “Princípios Fundamentais” da República Federativa do Brasil e da própria Constituição (Título I). Especifica-se, de maneira didática, ao tratar dos “direitos sociais” (arts. 6º e 7º) – quem sabe para repelir a tendência abstracionista e excludente da cultura juspolítica do País. Concretiza-se, por fim, no plano da Economia e da Sociedade, ao buscar reger a “Ordem Econômica e Financeira” (Titulo VII), com seus “Princípios Gerais da Atividade Econômica” (art. 170), ao lado da “Ordem Social” (Título VIII) e sua “Disposição Geral” (art. 193).

Desta forma, constata-se que a valorização do trabalho foi empregada na Constituição Federal como uma normativa que estabelece uma conduta laborativa ideal, sendo parâmetro de fundamental importância da afirmação do ser humano, tanto na inserção familiar quanto no meio social. Gabriela Neves Delgado vaticina que “O trabalho determina a própria valorização do sujeito que trabalha” (2012, p. 499-501).

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De fato, o trabalho prestado em condições de dignidade é imperativo para o processo de emancipação e de constituição da identidade social e coletiva do trabalhador. Neste contexto, o valor social do trabalho consubstanciado com a dignidade da pessoa humana, é colocado como fundamento da República do Brasil, pois é ele próprio premissa para o exercício efetivo da cidadania no Estado Democrático de Direito.

Logo, percebe-se que a Constituição trata da valorização social do trabalho não apenas como aquele fruto da relação de emprego, mas igualmente em seu panorama social, como indivíduo atuante no crescimento econômico e social da nação.

À vista dos direitos sociais do trabalho insculpidos nos artigos 6º e 7º da CF/88, temos que a contribuição mais expressiva que o Poder Constituintepropiciou à coletividade no tocante a normatização do Direito do Trabalhofoi, com toda a certeza, a Constituição Cidadã de 1988.

É evidente que o texto constitucional renovou a cultura justrabalhista, rompendo a visão individualista e autoritária que dominava o contexto jurídico até então, e substituindo por uma abordagem coletiva das questões trabalhistas, que privilegiasse a solução pacífica das controvérsias e assegurasse o efetivo exercício dos direitos sociais.

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Entretanto, é cediço que o Direito do Trabalho e os direitos fundamentais, devido ao objeto que tutelam, têm a necessidade de atualização permanente, sob pena de, no decorrer do tempo, ter diminuído o seu valor protetivo. Em decorrência deste aspecto dinâmico, devido à simbiose entre os fatores econômicos e sociais, inerente à estes ramos jurídicos, tem-se como consequência frequentes alterações legislativas.

No ano passado comemoramos o trintenário da Constituição Federal do Brasil, desde então houve diversas alterações no seu texto. As emendas constitucionais - como são chamadas – têm por finalidade mudar alguns aspectos do texto constitucional sem a necessidade de convocação de uma nova Assembleia Constituinte.

PEC – Proposta de Emenda Constitucional tem um processo de aprovação diferenciado e muito mais rigoroso que o das leis ordinárias. Tendo em vista que trata-se da modificação da lei maior do Estado, são poucos os que podem exercê-la, tal como dispõe o artigo 60 da Constituição Federal.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Ocorre que no início deste mês o deputado federal Luiz Fernando Faria, por meio da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, emitiu um parecer favorável à admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 300/2016. De autoria do também deputado federal Mauro Lopes, o texto altera artigos da Constituição Federal, retirando mais direitos trabalhistas, além daqueles já modificados ou extintos pela Lei nº 13.467/2017.

A PEC 300/2016 prevê, entre outras mudanças, a ampliação da jornada diária de trabalho para 10 (dez) horas, respeitado o limite de 44 (quarenta e quatro) horas semanais, sendo facultada a compensação de horários e a alteração da jornada, mediante Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.

Também dispõe sobre o reconhecimento das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho prevalecendo sobre as disposições previstas em lei, constitucionalizando o que já foi alterado através da Reforma Trabalhista, no artigo 611-A, caput, da CLT.

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

A PEC 300/2016 também pretende reduzir o aviso prévio de até 90 dias para 30 dias, independentemente do tempo de duração do contrato de trabalho, bem como modificar a denominada prescrição bienal, diminuindo de 2 anos para apenas 3 meses o prazo para o trabalhador ajuizar reclamação trabalhista após a extinção do seu contrato de trabalho.

Ademais, a Proposta em comento também pretende dificultar ainda mais o acesso do empregado à Justiça do Trabalho, indo contra o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal (“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”). Além do trabalhador ter apenas 3 meses para ajuizar uma ação trabalhista depois de encerrado seu contrato, antes de ajuizar esta ação, deverá obrigatoriamente que passar por uma Comissão de Conciliação Prévia – CCP.

Necessário relembrar que em Agosto do ano passado o Supremo Tribunal Federal já havia decidido que demandas trabalhistas podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário sem a necessidade de se passar previamente por uma Comissão de Conciliação Prévia.

O Plenário do STF confirmou os termos das medidas cautelares e julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em três Ações Diretas de Inconstitucionalidade para dar interpretação conforme à Constituição ao art. 625-D, §§ 1º a 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para reconhecer que a Comissão de Conciliação Prévia constitui meio legítimo, mas não obrigatório, de solução de conflitos, resguardado o acesso à Justiça para os que venham a ajuizar demandas diretamente no órgão judiciário competente, e manter hígido o inciso II do art. 852-B da CLT.

Além disso, por maioria, conferiu interpretação sistemática ao art. 625-E, parágrafo único, da CLT, no sentido de que a “eficácia liberatória geral” do termo neles contido está relacionada ao que foi objeto da conciliação. Diz respeito aos valores discutidos e não se transmuta em quitação geral e indiscriminada de verbas trabalhistas.

No seu relatório, o deputado federal Luiz Fernando Faria defendeu que “a Proposta de Emenda à Constituição busca superar o anacronismo das regras trabalhistas brasileiras, dentro do mesmo espírito que norteou a edição da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que ficou conhecida como ‘Reforma Trabalhista’ e justamente buscou colocar a legislação laboral até então vigente em sintonia com os novos princípios norteadores da ordem econômica, buscando aumentar o volume de empregos e conferir algum grau de segurança jurídica a empresários e empregadores perante a Justiça do Trabalho”.

Depois de apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça, a PEC 300/2016 seguirá para uma comissão especial para análise do mérito. Se aprovada, a Proposta de Emenda Constitucional será votada em 2 turnos no Plenário, que exige para chancela um quórum mínimo de 3/5 ou 308 votos favoráveis em cada turno de votação.

É visível que nos últimos anos a Justiça do Trabalho tem passado por muitas alterações, em julho de 2017 foi sancionada a Reforma Trabalhista com a mesma justificativa de combater o desemprego e a crise econômica do país, estando vigente desde novembro de 2017. Meses antes era aprovada a Lei nº 13.429/2017, que dispôs diversas alterações acerca da terceirização. Poucos dias após a vigência da Reforma Trabalhista houve a publicação da Medida Provisória nº 808/2017 que alterou e complementou diversos pontos da reforma. Já em 1º de janeiro de 2019, o então presidente Jair Bolsonaro editou sua primeira Medida Provisória, a MP 870/2019 reduziu consideravelmente as atribuições do Ministério do Trabalho, que foram distribuídas entre os Ministérios da Economia, Justiça e Cidadania.

Diante de tantas alterações, flexibilizações e mesmo extinções de direitos trabalhistas e criação de empecilhos ao acesso à Justiça, cria-se um clima de medo e preocupação com o futuro da Justiça do Trabalho e da própria advocacia trabalhista, como se os direitos fundamentais da Constituição Federal estivessem sendo paulatinamente esquecidos. Esse sentimento é compartilhado entre trabalhadores, advogados e membros do Judiciário Trabalhista como um todo, que esperam por dias melhores diante desse cenário sombrio.

Conteúdo por Bruna de Sá Araújo, advogada no escritório Lara Martins Advogados, Coordenadora do Núcleo de Direito do Trabalho do IEAD, especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IPOG e pela UFG. Bruna está no Instagram como @desabruna.

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